30 de março de 2010

relicário

Tentei não trazer nenhuma música como epígrafe para este post, porque quero transformá-lo na canção que não existe em mim neste segundo.
Estou de mudança, meus leitores.

Aluguei um lote de sossego do outro lado da cidade.

Deixarei meus vinte e poucos anos para trás e o lugar de filha dos meus pais.

Vou morar com um moço que diz viver "desde 1886" (como está tatuado, literalmente, no peito dele).

Hoje nenhuma trilha sonora poderia realmente empolgar todas as expectativas que esperam meu novo habitar.

Não sinto vontade de chorar. E só percebo o meu barulho de solitude, nas conversas com os meus eus.

Não abandonarei o que já foi. Por isso, vou comprar uma bicicleta e visitar os meus familiares, quando for necessário atravessar os canais que cortam essa minha estranha cidade até o meu antigo lar... para ouvir as novidades da minha mãe, quando mistura, no seu jeito nordestino de contar histórias de sua terra natal à vida atual atribulada pelo zumbido de bebê choroso do apartamento vizinho, síndico briguento e as contas da sobrevivência que não findam em nenhum dia do mês.

As minhas malas estão feitas.

Meus segredos estão todos encaixotados, lacrados e endereçados para serem ajeitados de um modo desconhecido por mim, a partir daqui.

E ao embalar cartas, cadernos velhos, quinquilharias, objetos de infância, fotografias da adolescência, fantasmas, risos e lágrimas, senti saudades dos meus dois irmãos.

Acho que eles não sabem mas, guardam a minha formação como gente, como ser, construído dentro do nosso quarto de triliche, escrivaninha e pouco espaço para as bagunças das crianças de outrora. 

Assim, já os incorporei numa situação frágil de embalagem em mim: CUIDADO: muito especial.

Tudo pronto. O carreto buzina lá embaixo, na calçada do meu, agora, ex-prédio.

Hora da partida, chega o momento de carregar caixas e 1982, 1983... 2009, janeiro, fevereiro, 28 de março de 2010.

E como um atestado de mudança, este texto transformou-se num depoimento, que não reconhecerei firma em cartório algum.

Emoções não combinam com burocracias.

Nenhuma assinatura esclareceria este meu estado de constatações silenciosas, pública, e talvez, certa da falta de importância para você, caro leitor, se não fosse isto - o registro dessa que vos escreve - a minha mais recente memória, importante para um futuro quando tentarei viver de linhas palavreadas...