18 de janeiro de 2012

nota sobre a falta de inspiração

Não ter uma inspiração pronta prejudica o sucesso do texto. Nestes tempos de tantas mudanças, tentar poetizar   tem sido difícil. Além disso, ando muito careta, sem vida boêmia, sem cigarros, ando apagada pela falta do último trago, da falta da lua antes de amanhecer. Muito pelo contrário, agora bebo chá para dormir e vou para cama depois da novela das oito. Mas escrever é fingir, viu. Por isso, ando querendo fingir tudinho, o amor, o gozo e a dor. Posso? Ah, caro inspetor dos sentimentos alheios, você que parece saber de tudo, você que recrimina a doçura, me deixe em paz, porque quero guardar o meu soluço esperançoso numa prosa ou num conto, sem a sua censura. Afinal, ainda sonho com uma vida menos patética, menos ácida. Não diga aquilo que devo pensar ou sentir, sua política não cabe em mim, pois sua rebeldia não me assusta. Dá para respirar romances e atuar na desorganização do crime armado, tudo ao mesmo tempo. A linguagem literária rasga e destroça gente imbecilizada, já tentou desta maneira? Poesia nunca foi resultado de ignorância da fome. Um poema pode segurar o suplício de uma nação inteira ou ser um tiro no pé do fulano desatento com a sua condição.

Isso aqui é só uma nota, no próximo post trabalho melhor as ideias, mesmo se não tiver inspiração suficiente.

10 de janeiro de 2012

nota sobre o tempo dos encontros

Nunca mais. Nunca mais é tanto tempo. E com o tempo não há vacilos. Não há senões. Não existe meia-volta vou ver de novo ontem. Porque as horas se dilaceram de forma contínua, sempre para um momento derradeiro. Nesses últimos dias, tenho reparado no desgaste do tempo. E lembrei de algumas pessoas que já não fazem parte do meu cotidiano. Notei que algumas pessoas realmente têm um prazo de existência em nosso convívio, nos escapam quando dobram uma esquina, num dia qualquer. Não sei bem o que devemos fazer com isso, quando se sabe disso, quando nos deparamos com essa constatação. Vez ou outra, reencontro um ex-namorado meu. É incrível, mas nunca deixamos de nos trombar em alguma rua de Santos. E há uma felicidade em revê-lo, por alguns minutos, revisito uma lembrança boa. Porém, outras pessoas viraram numa esquina por onde nunca mais passei, tenho essa impressão. Às vezes é como se elas tivessem entrado para uma outra dimensão e passássemos a não fazer parte mais do mesmo trajeto, mesmo que a gente more na mesma cidade ou bairro. Daí, concluo: deve haver a manipulação dos encontros, desencontros - só pode! Existimos para alguns pela vida inteira ou por alguns anos ou só por semanas. Então, não adianta, as horas sempre vão levar alguém de nós, saber fazer uma boa despedida, se possível, aí, sim, é fundamental.

9 de janeiro de 2012

cartas marítimas I

Santos, 23 de janeiro de 2022.

Minha querida Ana,

Escrever cartas tem acompanhado meu sossego.

Aqui na praia a rotina anda em marcha lenta. As pessoas realmente esquecem do cansaço às 19h30, enquanto fazem caminhadas no calçadão ou colocam suas cadeiras de plástico próximo da faixa de areia para jogar conversa fora com algum amigo. São hábitos bastante diferentes dos nossos. Mas não reclamo, não. Isso de poder ter uma rotina mais calma está me fazendo bem. A recuperação da cirurgia das minhas pernas vai bem com isso, com essa lerdeza das horas perto do mar. 

Os médicos estão confiantes que voltarei a andar sem muletas tão logo. Enquanto isso, escrevo cartas e tento dar continuidade ao livro de contos, que havia começado antes de ser operada - tudo da varanda, do vigésimo andar, de frente para a orla da praia. Não sei se mencionei algo sobre este livro para você, minha amiga. Será um livro curto, com treze contos, todos entrelaçados com a mesma temática. Não vou contar o que é exatamente porque quero enviar os originais a você. Gostaria que você e  Sabrina lessem.

Além disso, Pedro e eu temos conversado bastante por telefone. Não tem jeito, com ele preciso do mínimo de contato real, mesmo que seja vê-lo em imaginação ao ouvi-lo. Porque ao falar com ele, acho que me recupero mais rápido, fico empolgada para terminar o livro também. No próximo final de semana, já estará de férias e poderá ficar comigo até o fim da minha estadia em Santos.

Ah, estou louca para conhecer a casa de vocês. Soube que aí tem bastante damasco, não é? Tenho uma receita de torta de damasco deliciosa. Aliás, este é o doce preferido do Pedro. Quero aprontar uma dessas quando for visitá-las.

Bom, fico por aqui, não quero me estender mais. Até porque, se você notar, essa carta está ausente de emoções. E a praia é só a praia. A cirurgia foi bem, obrigada. Pedro e eu estamos ótimos, nunca nos cuidamos tanto. E o livro flui como quem nada em rio raso, sem grandes correntezas. E você sabe, não sou assim. Preciso sempre de um frisson, para ganhar os dias toda corada de vontades novas e sensações pré-fabricadas, antes por uma novidade, depois pela minha capacidade de ser abduzida para um estado de euforia. Enquanto  não me recupero por completo deste deserto emocional, prefiro terminar essa carta aqui. Sei que você entenderá. Mas não deixe de mandar notícias. Segundo os médicos, é muito importante para um enfermo ter os entes queridos bem perto, mesmo só em palavras.

Amo você,

Maria Paula.