21 de dezembro de 2010

in vitro

Turva como o vento inacabado, viu-se em desalento.
Era uma solidão de dar dó. Só.
As paredes frias seguravam e asseguravam o seu corpo desmoronado.
E certa tristeza infantil rondava-a.
Feita de silêncio (demasiado) pertubador, chacoalhava o pranto ensurdecedor.
Noite de imperadores. Fazia plantão a morte do medo de ficar.
Olhos fechados.
Começou a debater-se.
Era redoma acrílica.
Gritou! Susurrou.
Cores de todas as tonalidades penetravam os poros da pele, lutavam para atravessar a sua rotina, retida na retina.
Precisava sufocar a dor de fora, pincelada sem seu consetimento em dias reclusos adentro. 

Explodiu-se.

Decantou-se. Uma outra de si.

E não mais acordou para aquele prisma amalgamado, senhor de seus sonhos intranquilos.

29 de novembro de 2010

nada criativo

Uma página em branco pode ser o começo para uma longa novela - daquelas dramáticas: mexicana -, quando quero escrever qualquer coisa, alguma coisa, sobre algo ou alguém ou para ninguém.

Antigos vestígios de palavras pessoais, nos papéis perdidos da gaveta da minha escrivaninha, ainda me fazem sonhar com palavras bambas, literárias, escritas para este blog. Afinal, gosto dos textos confessionais, embora nem tão reais, quase sempre. Gosto da primeira pessoa na narração, gosto da narrativa sem verborragias, com muitos ou poucos adjetivos, isso fica por conta do dia. Se o dia é bom e claro, adjetivo as sentenças, mas, um dia mais assim, assado, melancólico, por que não?, crio linhas desanuviadas, esperançosas por um ponto final para a angústia.

Blá blá, um dois três, faço contagem progressiva até trinta e bato os pés em baixo da mesa, sim, aí o texto vai se formando, cria forma viva, jeito próprio, pelo menos gostaria que fosse assim.

Sem um objetivo, tento compartilhar um sentimento, uma sensação. Escrever tem disso, dizer para um olhar curioso do leitor amigo, ou ao leitor desconhecido, uma invenção qualquer da prosa das mãos daquele que não lembra como é deixar de querer escrever. O zumbido das teclas e o dedilhado às vezes frenético, às vezes espaçado, são memórias pouco esquecidas para um escrevinhador pouco criterioso. Escrever para mostrar aos outros  aquilo que poderia ser uma história só minha. Encorajo-me e lá vou eu.

Tento não furar as expectativas. E um desastre anuncia-se: penso que não consigo mais imaginar. Inspira, respira, transpiro. Vou até a cozinha, água na chaleira, um café poderia melhorar? Resolvo não saber. E tateio muita coisa acontecida nos últimos tempos, dignas de contos, crônicas ou um romance inteiro, e nada. Nadinha da Silva (ou Silvia? ou nada disso?). É, nada demais por hoje, nada de menos, por ora. Será que não sei mais contar uma história?

...

Deu branco de novo. Vixe, que papinho, hein, Dayane. Isso virou mesmo uma novela.

4 de outubro de 2010

balloons




amantes soltos

Foi paixão primeiro.
Nervosismo depois.
E pernas trêmulas durante.

Não é amor.
Não é compromisso.
Não é de verdade.

Tem uma pontada de medo.
Tem um cheiro permanente disperso próximo atraente.
Tem respiração cheia de intervalos longos.

Percebi você quando não restavam mais dúvidas: há dúvida.

Pedi pra você ficar mais.
Perdemos a hora da despedida.

Desistimos da opção do talvez.

10 de setembro de 2010

agenda 2.011

Dia desses, fui comprar uma agenda para os próximos meses, quando levei um belo susto. Simplesmente, a mesma funcionária que empilhava os mais variados tipos de agendas para o ano que vem, com um não nada cortês, garantiu a ausência das datadas para este ano ainda.

Um pouco incrédula, pensei em perguntar de novo, desisti e logo saí da papelaria com uma cara desconcertada.

"Só agenda 2.011", fiquei fritando a frase na minha cabeça.

Como resolvem antecipar o fim do ano com tanta velocidade? Até reparei nas trocas das coleções de inverno para  primavera-verão nas vitrines das lojas. Porém, "2.011" só porque terminou agosto? Acho que é demais.

Logo agora, que resolvi começar tantas coisas legais.

Logo agora, quando resolvi pelo próximo passo, mudei o corte do meu cabelo e ando ampliando as minhas noções culinárias?!

Fui insultada. Tenho essa impressão.

Já preciso me orientar para 2.011? Como assim?

Nem pensar...

Eu preciso de calma, não posso me acelerar, não.

Avisem para ir devagar com o andor, porque o santo é de barro, e a brisa precisa ser serena, sem pressão. Meu 2.010 está só começando.

8 de agosto de 2010

três atos de Bia

Sono.

Como as pétalas caem.

As flores em cima da mesa murchavam.
Aos poucos, esqueceu o ritmo do seu coração delacerado.
Disritimia.
Sons descompassados.
Ouvia as pétalas caindo na sua frente, em cima da mesa, perto da janela do seu quarto. Viu a folha resitir e cair.
Viu também a si mesma cair.
A casa em chamas ardidas pelo dia de hoje lembrava a sua mudez.

Despediu-se da irmã.

Esperava encontrar outra sorte numa rodoviária.
Riu da forma atrapalhada como se apresentava ao novo chefe.
Já estava no emprego oferecido por um colega do namorado, a muitos quilômetros de casa.
Fui contratada para escrever resenhas de filmes pornôs, escreveu num e-mail para o pai.

Só não sabia para quem seriam os textos, pensava com despudor. Na cabeça dela, ninguém lê sobre sexo. Ter vontade por uma resenha com a narração das transas alheias era inconcebível.

Não pensa, Beatriz. Escreve, dizia o editor-chefe. Temos que entregar os textos até o final do dia, protocolava.

Porque os jardins não duram.

O seu curso de Letras foi um belo sinal de fracasso. Para quê, isso? - A irmã resmungava. Para quê, tal desejo por Literatura, dizia.
Tem que ser médico, doutor, Beatriz.
Até quando você vai querer ser a personagem destes romances baratos, cutucava a prima nas reuniões de família. Já passou a hora de ser a queridinha do papai, da mamãe, do vovô, da familiazinha, você já tem vinte e poucos anos, florzinha - arrematava, a outra prima, cheia de rancor nos dentes.

Olhos abertos.

A descoberta das pétalas caídas.

- Acorda, Bia.

- O que foi, pai?

- O seu avô faleceu.

- Ah, não. Como assim?

- Vamos, minha filha. Levanta. Lave o seu rosto. Os enfermeiros estão aguardando a ambulância. Você quer vê-lo antes de ser levado?

- Não, pai. Chama a mamãe, por favor. Filha, está tudo bem?

- Não sei, pai. Tive um sonho horrível. Não estou entendendo nada. Cadê as flores que estavam em cima da minha escrivaninha?

- A Rosália acabou de levá-las para o lixo. Estava um mau cheiro aqui. Sei do seu amor pelo seu avô, minha filha. Mas, ele morreu bem. Ao nosso lado, como sempre quis.

- Eu sonhei com essa despedida, pai. Eu já sabia. Aquelas flores foram o meu presente de aniversário. Ele mesmo colheu no jardim e disse que pareciam comigo. Mas, elas apodreceram? Eu não estou entendendo nada. Flores não apodrecem, pai. Por favor, me deixe sozinha. Por favor... Flores não apodrecem, pai.

21 de julho de 2010

dedicatória

Minha querida,

Este livro é exatamente como a percebo. Nem mais, nem menos. Porque acho que se você fosse cores, seria cores de Frida Kahlo.

Você foi uma das pessoas mais importantes que passou na minha vida no último ano. Para repetir uma frase usada por você, de alguma forma seríamos amigas, pois, nossos amigos em comum permitiriam isto. Da Maricota até a Mari, de algum jeito, cruzaríamos o caminho uma da outra.

Assim, guardo os encontros mais sublimes aos mais profundos da nossa rápida mas, bela amizade. Recordo as nossas dancinhas para cantar "Mesmo que mude" do "Bidê ou balde", em passos alegres e graciosos, juntos à gargalhadas para lá de felizes. E lembro também de momentos mais irrequietos, numa fase mais deprê sua, quando eu lia trechos de Clarice Lispector, regado por café e silenciosa dor (na varanda da casa da sua mãe), enquanto procurávamos entender de onde vem o sofrimento - o meu, o seu e o do mundo.

Até que chegou o dia da sua partida, em tom de cinza melancólico.

Então, já sinto muito a sua falta.

Até breve.

No aguardo por outras cores!

Sua amiga caiçara,
Day

P.S.: Esta mensagem era para ter sido escrita no livro "Diego e Frida" de J. M. G. Le Clézio, como dedicatória para uma pessoa muito especial para mim. Porém, entreguei o livro e as palavras ficaram num rascunho. Agora, deixo aqui para não esquecer o carinho e a dedicação que, em pouco mais de um ano, tivemos uma pela outra.

14 de julho de 2010

extremos

Lá. Do lado de lá.

Tem gente. Tem dor. Tem um senão.
Tem você. Não tem ninguém. Tem alguém.

Aqui. Assim.

Tenho um segredo esquecido.
Tenho prosa.
Tenho sentidos apurados.
Tenho rimado pouco, enfim.

5 de julho de 2010

nunca é nunca mais

Algumas datas deveriam ser aniquiladas do nosso calendário emocional. Ter que conviver com alguns dias do ano é um sacrilégio. E não adianta usar de artimanhas para esquecer. Um porre ou mudar o horário dos afazeres daquele dia só para não lembrar é a certeza do não esquecimento. Quem se esconde de uma data triste sabe do que estou falando.

Lembrar e esquecer viram uma coisa só. Esquecemos para não lembrar e lembramos com medo de apagar da memória e a lembrança virar só passado. Porque quando esquecemos viramos a página, mas, se isto não ocorre, é porque ainda lembramos o quanto foi importante e não dá para esquecer mesmo.

Por isso, nunca esqueço quando me despedi do meu amigo imaginário, por volta dos meus seis anos de idade. Lembro que ele morava em frente à janela do quarto dos meus pais, onde ficava o ar-condicionado do vizinho, no prédio da frente onde morávamos - (leitor, era amigo imaginário, não tente entender o cenário). A lembrança era de ser uma ótima companhia para os meus devaneios. Coisas da minha imaginação infantil; portanto, pouco literal. Porém, numa tarde, lembro que foi preciso despedirmo-nos. Ele precisava ir embora. E foi. E aí, comecei a entender a saudade.

Depois, outras perdas aconteceram, partindo disto a minha formação cheia de vazios datados, que são como intervalos momentâneos entre uma crença para uma descrença, frutos das modificações que passamos ao longo da vida, pontes para outras descobertas.

Assim, já acenei adeus para muita gente.

Já me despedi de sonhos, já chorei pela morte de uma ilusão.

Nunca esqueço.

Sempre lembro.

E sem muitas medidas de entendimento, fico com a impressão de sermos os números de partidas e despedidas, acontecimentos presentes quando menos se imagina.

23 de junho de 2010

depois

"Olha, meu bem, o céu
Vê quanta luz, quanta estrela
Quase todas mortas
Só não é chegado para nós o tempo que se apagarão
A gente tá na lanterna, do tempo que virá..."
(Tempo/ Espaço - Lulu Santos)

As horas. Os dias. As vírgulas. Os dois pontos. O tempo. As palavras.
A Literatura.
O silêncio.
A poesia.
O Amor. A solidão.
A pausa.

Foi uma pausa até aqui. Por mais de dois meses, não mais escrevi porque precisava do intervalo da conversão. Anotei no bloco de notas dos meus distantes pensamentos as descobertas que me silenciavam. Por muito, emudeci. Fiquei quieta e pintada por cores tão pacíficas quanto o meu desejo de só sentir. E imprimir em gestos de personagens e cenários os meus significados inventados, numa lógica gratuita do mistério paralelo da nossa verdade insensata.

Foi pausa.
Foi só.
Amorosamente. Sem limites, percebi uma das linhas tênues entre o ficar e o nunca mais...

5 de abril de 2010

manifesto da busca

Temo não ser a exceção.
Excedo os meus modos patéticos quando ninguém vê.
Dou risada sozinha para os transeuntes não espantarem o meu susto narcísico da alegria de ser só mais um na multidão.
Enxergo mal os rostos cansados do ônibus abarrotado.
Meus óculos escuros emburrecem a retina sincera do meu olhar.
Guardo segredos de liquidificador para um caos atmosférico que desanda o meu equilíbrio de bailarina desatinada.
E, assim, não lembro quando não fiz mais concessões. E retiro da bolsa um cartão amarelo para aqueles que sabem fazer um pedido bem feito. Então, concedo... sem um não! Ofereço a minha bondade abusada e construo uma culpa vã, pela caridade exagerada.
Olho para trás e tenho a impressão de ter perdido tempo quando não era para ter juízo.
E se, hoje tenho a  razão, quero dar-lhe todo o impulso possível... para caminhar na corda bamba da emoção do tato no estalo da dor de ser unicamente parte de todo mundo.
Eu sou um milhão em mim, de um milhão de gente que vive e ama e sua e ri... como já disse algum poeta.
Eu não sou o outro. Sou eu mesma. Mas, confundo o meu querer com o seu desejo e já não sei mais quem sou... perco o meu critério e me desrespeito. Respeito o querer alheio e desajeito o meu próprio conselho de amar a mim, antes de tudo. Pois, não sou capaz de rezar a minha cartilha e acabo pregando pela religião do próximo.
Estúpida, não?!
Porque ainda não sei o meu destino, embora, a campainha moralista da minha identidade oca toque e lembre a hora de ser mulher, profissional, cidadã, filha, amiga e algo muito maior que nunca serei... o meu verdadeiro Eu, com conotação estética vivaz e primária de mim mesma, só aberta para obras do outro, ou seja, sempre com alguma concessão.

30 de março de 2010

relicário

Tentei não trazer nenhuma música como epígrafe para este post, porque quero transformá-lo na canção que não existe em mim neste segundo.
Estou de mudança, meus leitores.

Aluguei um lote de sossego do outro lado da cidade.

Deixarei meus vinte e poucos anos para trás e o lugar de filha dos meus pais.

Vou morar com um moço que diz viver "desde 1886" (como está tatuado, literalmente, no peito dele).

Hoje nenhuma trilha sonora poderia realmente empolgar todas as expectativas que esperam meu novo habitar.

Não sinto vontade de chorar. E só percebo o meu barulho de solitude, nas conversas com os meus eus.

Não abandonarei o que já foi. Por isso, vou comprar uma bicicleta e visitar os meus familiares, quando for necessário atravessar os canais que cortam essa minha estranha cidade até o meu antigo lar... para ouvir as novidades da minha mãe, quando mistura, no seu jeito nordestino de contar histórias de sua terra natal à vida atual atribulada pelo zumbido de bebê choroso do apartamento vizinho, síndico briguento e as contas da sobrevivência que não findam em nenhum dia do mês.

As minhas malas estão feitas.

Meus segredos estão todos encaixotados, lacrados e endereçados para serem ajeitados de um modo desconhecido por mim, a partir daqui.

E ao embalar cartas, cadernos velhos, quinquilharias, objetos de infância, fotografias da adolescência, fantasmas, risos e lágrimas, senti saudades dos meus dois irmãos.

Acho que eles não sabem mas, guardam a minha formação como gente, como ser, construído dentro do nosso quarto de triliche, escrivaninha e pouco espaço para as bagunças das crianças de outrora. 

Assim, já os incorporei numa situação frágil de embalagem em mim: CUIDADO: muito especial.

Tudo pronto. O carreto buzina lá embaixo, na calçada do meu, agora, ex-prédio.

Hora da partida, chega o momento de carregar caixas e 1982, 1983... 2009, janeiro, fevereiro, 28 de março de 2010.

E como um atestado de mudança, este texto transformou-se num depoimento, que não reconhecerei firma em cartório algum.

Emoções não combinam com burocracias.

Nenhuma assinatura esclareceria este meu estado de constatações silenciosas, pública, e talvez, certa da falta de importância para você, caro leitor, se não fosse isto - o registro dessa que vos escreve - a minha mais recente memória, importante para um futuro quando tentarei viver de linhas palavreadas...

28 de fevereiro de 2010

era menina

Há meses os vestidos começaram a delinear a cintura, as saias perderam um pouco de tecido e estão alguns palmos acima dos joelhos redondos com pernas mais torneadas. Cabelos presos só se for para mostrar a nuca nua. Esmaltes escuros e perfumes nada adocicados foram adquiridos nas últimas compras de cosméticos. Os amigos são rapazes que flertam, com a troca das tranças, da garota tímida do brejo, para admirar o novo caminhar em saltos altos nunca usados, até então... Tudo num movimento simbiótico de sedução fatal. Num desplugar do mundo interior coberto de feminilidade espontânea, neste domingo, acordou mais mulher...
[Imagem: Vênus de Milo]

22 de fevereiro de 2010

hoje é segunda

Começar sempre deixa uma sensação de medo. Dá medo de se apaixonar por uma pessoa nova. Emprego novo, casa nova, ter um filho, mudar de cidade... sempre trazem sensações levemente estranhas. E começar pela terceira vez um blog não é diferente. Dá medo não cumprir as expectativas dos amigos... Não saber se conseguirei ter pelo menos três comentários por post dá medo. Ao mesmo tempo, sei que o medo é a cara do novo. Não teria como ser muito diferente, senão viraria marasmo, que pode virar tristeza. Só que tristeza com um punhado de melancolia até é engraçado de sentir... pode dar samba. Porém, tristeza mais deprê nos deixa sem chão... Até que chega algo novinho que nos surpreende e o medo mostra-se mais uma vez e já não temos mais dúvidas que é assim mesmo. O novo vem. O velho vai. Fica a tradição daquilo que vivemos lá, vem a vontade de aguardar o moderno que está para chegar. E nessa brincadeira, neste post fabricado numa segunda-feira pós-carnaval, para este blog de título malemolente, para um ano promissor às paixões, quero criar atmosferas bambas com palavras... por uma voz nova numa literatura literária!