8 de agosto de 2010

três atos de Bia

Sono.

Como as pétalas caem.

As flores em cima da mesa murchavam.
Aos poucos, esqueceu o ritmo do seu coração delacerado.
Disritimia.
Sons descompassados.
Ouvia as pétalas caindo na sua frente, em cima da mesa, perto da janela do seu quarto. Viu a folha resitir e cair.
Viu também a si mesma cair.
A casa em chamas ardidas pelo dia de hoje lembrava a sua mudez.

Despediu-se da irmã.

Esperava encontrar outra sorte numa rodoviária.
Riu da forma atrapalhada como se apresentava ao novo chefe.
Já estava no emprego oferecido por um colega do namorado, a muitos quilômetros de casa.
Fui contratada para escrever resenhas de filmes pornôs, escreveu num e-mail para o pai.

Só não sabia para quem seriam os textos, pensava com despudor. Na cabeça dela, ninguém lê sobre sexo. Ter vontade por uma resenha com a narração das transas alheias era inconcebível.

Não pensa, Beatriz. Escreve, dizia o editor-chefe. Temos que entregar os textos até o final do dia, protocolava.

Porque os jardins não duram.

O seu curso de Letras foi um belo sinal de fracasso. Para quê, isso? - A irmã resmungava. Para quê, tal desejo por Literatura, dizia.
Tem que ser médico, doutor, Beatriz.
Até quando você vai querer ser a personagem destes romances baratos, cutucava a prima nas reuniões de família. Já passou a hora de ser a queridinha do papai, da mamãe, do vovô, da familiazinha, você já tem vinte e poucos anos, florzinha - arrematava, a outra prima, cheia de rancor nos dentes.

Olhos abertos.

A descoberta das pétalas caídas.

- Acorda, Bia.

- O que foi, pai?

- O seu avô faleceu.

- Ah, não. Como assim?

- Vamos, minha filha. Levanta. Lave o seu rosto. Os enfermeiros estão aguardando a ambulância. Você quer vê-lo antes de ser levado?

- Não, pai. Chama a mamãe, por favor. Filha, está tudo bem?

- Não sei, pai. Tive um sonho horrível. Não estou entendendo nada. Cadê as flores que estavam em cima da minha escrivaninha?

- A Rosália acabou de levá-las para o lixo. Estava um mau cheiro aqui. Sei do seu amor pelo seu avô, minha filha. Mas, ele morreu bem. Ao nosso lado, como sempre quis.

- Eu sonhei com essa despedida, pai. Eu já sabia. Aquelas flores foram o meu presente de aniversário. Ele mesmo colheu no jardim e disse que pareciam comigo. Mas, elas apodreceram? Eu não estou entendendo nada. Flores não apodrecem, pai. Por favor, me deixe sozinha. Por favor... Flores não apodrecem, pai.