Sono.
Como as pétalas caem.
As flores em cima da mesa murchavam.
As flores em cima da mesa murchavam.
Aos poucos, esqueceu o ritmo do seu coração delacerado.
Disritimia.
Sons descompassados.
Ouvia as pétalas caindo na sua frente, em cima da mesa, perto da janela do seu quarto. Viu a folha resitir e cair.
Viu também a si mesma cair.
A casa em chamas ardidas pelo dia de hoje lembrava a sua mudez.
Despediu-se da irmã.
Esperava encontrar outra sorte numa rodoviária.
Riu da forma atrapalhada como se apresentava ao novo chefe.
Já estava no emprego oferecido por um colega do namorado, a muitos quilômetros de casa.
Fui contratada para escrever resenhas de filmes pornôs, escreveu num e-mail para o pai.
Só não sabia para quem seriam os textos, pensava com despudor. Na cabeça dela, ninguém lê sobre sexo. Ter vontade por uma resenha com a narração das transas alheias era inconcebível.
Não pensa, Beatriz. Escreve, dizia o editor-chefe. Temos que entregar os textos até o final do dia, protocolava.
Porque os jardins não duram.
O seu curso de Letras foi um belo sinal de fracasso. Para quê, isso? - A irmã resmungava. Para quê, tal desejo por Literatura, dizia.
Tem que ser médico, doutor, Beatriz.
Até quando você vai querer ser a personagem destes romances baratos, cutucava a prima nas reuniões de família. Já passou a hora de ser a queridinha do papai, da mamãe, do vovô, da familiazinha, você já tem vinte e poucos anos, florzinha - arrematava, a outra prima, cheia de rancor nos dentes.
Olhos abertos.
A descoberta das pétalas caídas.
- Acorda, Bia.
- O que foi, pai?
- O seu avô faleceu.
- Ah, não. Como assim?
- Vamos, minha filha. Levanta. Lave o seu rosto. Os enfermeiros estão aguardando a ambulância. Você quer vê-lo antes de ser levado?
- Não, pai. Chama a mamãe, por favor. Filha, está tudo bem?
- Não sei, pai. Tive um sonho horrível. Não estou entendendo nada. Cadê as flores que estavam em cima da minha escrivaninha?
- A Rosália acabou de levá-las para o lixo. Estava um mau cheiro aqui. Sei do seu amor pelo seu avô, minha filha. Mas, ele morreu bem. Ao nosso lado, como sempre quis.
- Eu sonhei com essa despedida, pai. Eu já sabia. Aquelas flores foram o meu presente de aniversário. Ele mesmo colheu no jardim e disse que pareciam comigo. Mas, elas apodreceram? Eu não estou entendendo nada. Flores não apodrecem, pai. Por favor, me deixe sozinha. Por favor... Flores não apodrecem, pai.
Muito Bom Day... impressionante!
ResponderExcluirFantástico Day!
ResponderExcluirÉ impressionante o seu aprimoramento tanto de linguagem quanto de idéias... tá simplesmente maravilhoso!
Saudades, Leka