decupagem


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Meus cabelos ganham movimentos como marolas.

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É o começo do vídeo, Márcio e eu, indo até a Biquinha. Estamos no ônibus 08: Ponta da Praia/ São Vicente – orla da praia.

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Domingo de outono. Poderia ser mais um domingo. Ou um outono daqueles quando todos estão em queda simples, para tempos reclusos.

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Márcio maneja a câmera e brinca com as ondas que terminam na direção do meu cachecol. O trajeto era o mesmo de todos os dias, mas estávamos desfigurados em quadros sem galeria.

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Eu ia sentada do lado da janela.

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Ali, naquela cena, lembrava me sentir como o desconhecido de um livro novo.

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Todos os detalhes são capturados. Desde o mar pela janela até o zumbido do vento que corta sem direção as covinhas do meu sorriso.

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Juntos há três meses, o programa daquele dia foi um fim de tarde para onde ele se referia como o melhor lugar da cidade. Nada mais clichê para o romantismo, íamos ver o pôr-do-sol.

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Guardava uma ansiedade controlada. Desconfiava se era capaz de medir a verdade sobre nós.

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Meu rosto segue paralelo à linha da orla da praia. As lentes seguem aquilo que não enxergo ao longe.

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Estamos sentados na fileira do lado esquerdo, nos bancos mais altos. Aqueles disputados por crianças, que sabem ver dali idas e vindas de carros e transeuntes.

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Sem volta, a cumplicidade demarcava um lugar para nós dois, dois em um.

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Olho para você. De novo, meus cabelos em descompasso se desalinham com o branco e azul do mar ao norte. Márcio filma quase tudo.

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A praia está vazia. E as pessoas circulam pelo calçadão. Guarda-se a calma da estação dos poetas que decidem adiar o suicídio. É impossível desejar morrer no outono.
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Não sabia mais zelar meus gestos, todos eram para mantê-lo perto de mim. Sentia cada batida do meu coração como a cuíca de uma roda de samba. Minha devoção pelo nosso namoro era a mentira de quem não sabia nada sobre amar.

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Volto os meus olhos para a janela, na direção do nosso destino. Márcio flagra um silêncio passivo.

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O mundo torna-se plateia e cenário, meros figurantes.

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Estava rendida. Já não havia possibilidades para não amá-lo.

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Saudade do amor involuntário.

Day  Rodrigues
maio/ 2011

____Texto desenvolvido para uma oficina literária (tema: uma grande saudade), ministrada pelo escritor Marcelino Freire


Tal texto vai virar roteiro para um curta-metragem, logo mais.