a quatro mãos

pedro e claudio 

andava sem pressa, para chegar no horário combinado. duas longas avenidas separava-os. duas avenidas e três cigarros. passos curtos eram suficientes para rever todos os tópicos para a conversa, daquele 30 de agosto. às 16:53, passou a pensar menos e a pisar mais forte no chão. quase podia encostar o dedo mindinho na quentura do asfalto. ajeitou-se e abriu o portão. olhou o portão para trás de suas costas. só lhe poderia interessar dali em diante. estranhamente, teria percorrido duas avenidas e fumado três cigarros mais rápido do que este austero caminho de terra batida a sua frente, que se estendia até a porta. era majestosa a casa, como os olhos dele, pensava, que haviam se debruçado, aquelas janelas pareciam derramar suas interrogações também. por que tanta demora? se tivesse marcado pela manhã, não teria queimado os pés no chão. se não tivesse que vir até aqui, se tivesse dormido desde o primeiro dia do mês aqui... não teria ido embora, mas pensava, não teria vindo hoje também. deu um passo, retomou o ar. tossiu pra dentro. brigava para respirar de verdade. mais um passo para trás. chegava o momento de tocar a campainha. sim, ele estava lá, entre as frestas da janela via-se a poeira e o cheiro do café no caminho da luz. olhou para as sandálias, onde se formava uma bolha pequenininha. segurou a tosse de novo. bateu palmas, não foi preciso muito, e os passos pontuais de pedro se aproximaram. ele veio meio malemolente, meio sonolento. pijamas que tinham tomado a forma de seu corpo. ele olha as minhas sandálias com um sorriso de mover quase nada, mas de quem diz "eu me lembro desta postura". a intimidade faz isso com as pessoas. elas começam a se lembrar das pequenas manias torturantes ou dos pequenos gestos encantadores. 

a xicara de café dele era fria, a minha, de chá, sem açúcar. 

pedro! que bom que seu nome voltou a me ocorrer agora, pensei. pois que as pessoas que não tem nome são pessoas sem passado. eu entrei como se fizesse parte daquela luz, daquela poeira flutuante no sol. eu já tinha estado ali em outros tempos, cujo espaço entre os móveis era maior. seus olhos me afundaram? perguntei se ele estava sentindo dor. ele perguntou se alguma vez eu tinha sentido saudade.

 -- claudio, nunca mais achei a blusa estampada, aquele que compramos no rio, lembra? 

fechei e abri os olhos como quem não quer ver, não queria saber do passado em comum. e foi logo sentando na poltrona do canto, distante dos outros sofás. acendeu o baseado e esperou o som familiar do reencontro. era um cheiro familiar. pedi um trago, ou uma bicada (eu nunca soube usar suas gírias). ele me estendeu a mão e o espaço entre nós, antes abismo, tornou-se um vão. eu passaria apertado por lá, mas me contive e estiquei a mão em sua direção também. acomodei-me com a bolsa ainda pendurada no corpo.


-- não pedro, eu não faço ideia de qual blusa você está falando.

-- você só lembra do que realmente quer. senta! 

então eu busquei um canto confortável no sofá xadrez, igualzinho de quando estive lá pela última vez. e a poeira da sujeira dos móveis gritava mais do que o café, mais do que eu mesmo. vai, pedro, pergunta logo! e pontuava a conversa, e burilava aos poucos. se disse que precisava conversar comigo, mas o que mais, eu pensava, teria de dizer? que tinha dez anos a mais do que eu, eu já sabia. que aquela noite derradeira, que os arranhões no corpo, que a mesma adrenalina que o despiu ou a entorpecência que o trouxe junto ao tédio foi o que o fez ir embora. eu já sabia disso tudo. acontece que o sofá era confortável mesmo assim, e genioso, fazia com que eu me adaptasse a ele. apoiei os punhos:


 -- o que foi, pedro? 



___Texto em parceria com Noelle Falchi, do blog: www.euresguardo.blogspot.com