27 de dezembro de 2011

das setes ondas

Esse ano está indo e junto dele vai também um montão de promessas cumpridas. Cumpri os desejos jogados ao mar em 1 de janeiro de 2011. Pedi lá um tanto de coisas para Iemanjá. Pulei as sete ondas. E aos passos dados para trás, naquela primeira madrugada do ano, enquanto recuava e orava por um ano prestigiado por emoções, percebia o horizonte oceânico e sonhava, um futuro, com flores, espinhos e jardins.


E assim foi, conheci tanta gente. Ganhei novos amigos e principalmente andei lado a lado com os velhos parceiros, gente que não me abandona nunca, e eu não os largo jamais.


Vivi experiências incríveis. E trabalhei muito, na ideias e nos projetos-sem-fim.


Agora o ano está terminando mais uma vez. Está na hora de contar mais sete ondas, mais sete desejos. Mas o que eu gostaria mesmo  é poder  decolar com todos as sementes plantadas neste 2011. Dar sustância para todas elas, assim como quem devota-se às rosas polinizadoras. Porque a metáfora do jardim cabe mesmo aqui.


Do cuide do seu jardim e todo resto se desvela. Aconteceu comigo. O olhar horizonte do mar-floricultor condiz. Mar profundo e vida aprofundada em lírios e emoções gratuitas, complexas, vividas.

Obrigada, aos deuses e aos meus queridos.

10 de dezembro de 2011

sem pares (necessidade urgente VI)

"Eu pensei em deixar você
Me livrar da dor e voar"
(Entre a união e a saudade, Mombojó)


Seguia a pressa de chegar. Mas sentia-se puxada para trás. Era um pêndulo. Uma gangorra. Dos pensamentos, das lembranças do Fábio, dos cinco anos juntos, da briga, do UFC, do apartamento inabitável, da separação, da briga, ia em passos sem ritmo. E continuava. Andava para chegar logo. Do lado direito, enquanto caminhava carregada pelo desespero, o trânsito não seguia seu fluxo normal na avenida.  Os carros começavam a diminuir a velocidade, quanto mais Alê aproximava-se do Paternon. Apertava a bolsa de crochê amarela entre o braço esquerdo e a parte lateral do corpo, apoiada no ombro. E a cada passo o concreto asfalto abria-se, Alê afundava-se, mas seguia resistente, em chutes no ar, dispersando poeiras, sujeiras e odores microscópicos no caminho travado ao longo das cinco quadras da Avenida Araújo de Medeiros.

Sem olhar muito para os lados, permanecia calada, sequer balbuciava um daqueles sons quando uma tempestade de angústia nos toma. Nada disso. Só os carros ameaçavam sua mudez. As buzinas tiravam sua concentração. Afinal, o que estava acontecendo por ali? Era meio-dia e pouco, e o que justificaria aquela lentidão toda dos automóveis? Perturbada pelo barulho que começava a ampliar o tempo escandaloso de penetração em seus pensamentos traiçoeiros, afastou o objetivo que a levava correr tanto. Por alguns poucos minutos, esqueceu do Fábio, da fome, da carteira de motorista no despachante, da briga, do Fábio. Os carros não paravam de buzinar, cada vez mais. 

E passou a notar as pessoas que vinham em sua direção. Algumas falavam sozinhas. Todas com passos curtos. Alê não conseguia dar mais passos distantes. Os passantes que vinham em sua direção encenavam um cortejo? Seu objetivo era chegar no Paternon, andar mais dez metros, dobrar a esquina do Bar do Esaú e subir para o apartamento deles, no Majestic. E foi afundando os pés passo a passo. E esquecia e lembrava onde queria mesmo chegar. Então, desacelerou de uma só vez, enquanto os rostos esverdeados das pessoas se chocavam com o dela, enquanto o trânsito tornou-se insuportável com os gritos e ecos das buzinas, e logo, os de sirenes também. 

Já menos de uma quadra antes de chegar até o Paternon, não só os carros engarrafados, mas também as pessoas paralisadas pelo ambiente sufocante na Avenida Araújo de Medeiros tornaram inviável continuar dali. E foi parando. Parando. Aproximou-se de uma banca de jornal, a cinco metros do Paternon e perguntou:
- Por favor, senhor, o que está acontecendo? Está tudo parado.
- Pois é, moça... foi um acidente. Ou melhor, uma tragédia. É, uma tragédia. Uma moça caiu lá de cima do prédio novo. Imagina para quem é família dela. Coitados. Uma dor muito grande, deve ser. 
- Do Paternon?
- Isso. Isso mesmo. Disseram que era novinha. Uma moça nova. Pulou. Ou sei lá. Caiu. Se jogou.
- Ô gente. - Sem agradecer a informação, Alê virou as costas para o rapaz da banca e deu mais alguns passos em direção ao Paternon. 

Mas não enxergava mais nada. Uma pequena multidão pipocava, próximo do prédio que orientava-a.  Pensava no Fábio. E pensava na queda da pessoa suicida. Sentia o estômago doer, travar de vez. Esquecia o grande propósito, até. Mais adiante, seus olhos molhados notavam a muvuca. Duas ambulâncias, carro de polícia, trânsito parado. Então seu corpo foi criando tensão para recuar. As pernas voltaram a ficar agitadas e trêmulas. A pressão caiu. Sentou na guia da calçada, uma rua antes do Paternon. Já não poderia prosseguir. O que fazia mesmo ali? Juntou a bolsa no colo, entre as pernas, e olhava para toda aquela paralisia generalizada e enxergava todos numa mesma sintonia. A menina morta, os automóveis impacientes e todas as pessoas que vinham  daquelas bandas, ausentes de coragem, presas no vão da morte alheia. 



Este texto faz parte de uma ciranda literária com o Wilson Franco: errancias.wordpress.com.
Para acompanhar essa narrativa vale ler os seguintes links:
1) Abrir-se-vos-á
2) 
Do Majestic ao Paternon
3) Paternon
4) Do Majestic a queda
Vale a pena acompanhar... 
E a ciranda continua...