31 de outubro de 2011

necessidade urgente II

e agora bato os dedos nas teclas e farejo seu corpo, suas vestimentas, a cor dos seus olhos pela manhã, seu jeito de dormir em noites de ventania, sua maneira de falar ao telefone, a voz mansa para dar tchau, a ausência de simpatia, e vou te construindo como quem tece a própria vida, já tenho um nome para você, Alê Mathias.

necessidade urgente I (*)

começar pelo meio, logo, não pelas beiradas, mas pelo recheio, das camadas mais profundas, de onde não se vê os lados, ou as periferias, lá de onde o vulto entorpece a razão e significa solução, poderia ser das entranhas, ou do âmago, ou do estômago poético, do miolo, longe dos extremos, construir sua vida sem vírgulas, 
personagem da narrativa que ainda não sei habitar. 

(*)  necessidade urgente é a narrativa vivenciada do meu meio, da minha metade afogada em silêncios não banais.

25 de outubro de 2011

abrir-se-vos-a

Abriu os braços para pular.
Do trigésimo e quinto andar.
Do alto do seus vinte e um anos.
Abriu os braços para descer ao chão.
Braços abertos para acolher a gravidade na queda.
Lá do alto.
Seu corpo esquálido, sua boca amarga e seus pés soltos.
Para o pulo.
Desfazer-se em carne viva no asfalto.
Os passantes ainda não a enxergavam.
Por fração de segundos, ninguém a esqueceria.
Nunca mais.
As buzinas já começavam a soar.
Entre o asfalto e o alto do Edíficio Partenon, planaria?
E depois da queda, sossego?
Veio o impulso.
Do alto do despero, não apoiou-se mais nos pés.
A atmosfera desembaraçava-se, enquanto ela caía.
Descontínuo solo.
Corpo espaçado, corpo mutilado.
Ao sol do meio-dia, SP, 29 de abril de 2008.

19 de outubro de 2011

eu literário

queria ser
micro conto
lírica
e encanto

mas não sei
só penso
atenta
não descanso

meu eu é filósofo?
eu, contradição.

18 de outubro de 2011

passa em casa, tem bolo

tem chá
tem café
tem almofadas pelo chão
tem cheiro de doce de framboesa
tem o Murilinho correndo pela sala
tem as cortinas avoadas
tem o sol marcando sombra nas plantas
tem a Lila escondida no vãozinho do ármario do corredor
tem meus abraços
tem colo da vó
tem uma gargalhada na espreita por uma história nova sua
tem a espera
com café
com chá
com o chão coberto de almofadas
com bolo recheado de doce de framboesa
com o Murilinho aos pulos
com o vento nas plantas
com a Lila de olhos arregalados por um carinho
com a vó nos observando de tão feliz
com o meu gosto pelos seus causos
com a vontade de vê-lo aqui
em casa,
vem logo, tem bolo!

puento ciego (IV)

Dois tiros. Pá Pá.

.
.

Enquanto limpava o sangue da roupa e corria, sua sombra perseguia-o.

16 de outubro de 2011

uma nota só ou duas irmãs


ouvi o canto da Mônica Salmaso ao seu lado e no outro dia sonhei com você. 
e você também sonhou comigo. 
a cantora nos viu lá do palco, como almas irmãs de canto de líricas de vidas artísticas? 
nossos sonhos cruzaram os destinos.


será que quando sonhamos com alguém nos transportamos para perto da pessoa? 
será que pulamos ruas, canais, desviamos de tudo e por fim, nos juntamos numa realidade só?


(ornar nossos sonhos e possibilidades e depois fazer do plano real um espaço lírico como um palco)


(encontrar uma sintonia de canto e sopro, igual a Mônica e seu marido, ela orquestra-o no olhar, ele segue a voz dela, amantes do mesmo cortejo)


(viver a música e a voz e o silêncio num espaço lúdico para um público e depois se vestir de dias e dia a dia)



dee dee minha irmã menininha, os sonhos equilibram as emoções não contidas? 
no meu sonho você já era uma mulher.
e no seu? quem sou?
por acaso nos encontramos no meio da cidade entre palavras e tintas e gritos familiares e silêncios serenos, da prece que não falaremos jamais?


quando esquecermos o passado, ainda seremos uma melodia só, de sangue e sonhos.



10 de outubro de 2011

professor Carlos

Como pode alguém nos modificar tanto, em tão poucas horas, só pelo coração?

Eu já pressentia a mudança. 
E você chegou até mim e me abençoou com palavras de verdade.
Eu que sempre busquei, a verdade das palavras, a verdade do olhar, a verdade do caminho.
Um dia me pediram para deixar de ideias fixas, sobre as verdades.
Fiquei quatro anos na graduação de Filosofia, e nunca consegui entendê-las.
É bem verdade que comecei a desistir.
O tapete da traição me foi tirado.
Fiquei lá, estática, com olhos melancólicos e quase sem pulso.
E tive que aprender a fazer as malas, mudar o rumo.
Mesmo com algumas verdades no bolso.
Os homens são perversos.
As cidades são desertas.
E a vida não acaba porque você perdeu seu chão.
As crianças continuam crescendo.
Os pais não desistem de cuidar de seus filhos.
Porque o mundo ganha sentidos em novos encontros, mesmo que a gente não perceba de verdade.
E todo sonho perdido volta de fantasia nova.
Transforma chão áspero em verdade flutuante.
Depois daquele 8 de outubro, tomei minhas verdades de novo para mim.
Não a verdade do Aristóteles, Nietzsche ou de algum trapaceiro de plantão, mas a verdade da crença do suor nas mãos, cheio de construção atual.
Verdade mesmo é poder olhar nos olhos e piscar no segundo seguinte para guardar o amor.
Tem verdade na gratidão!
Obrigada.





sonâmbula virtual

tem alguém aí?


Você já dorme. Eu, não.
Meu corpo não reluta pela novidade.
Vou devagarzinho na busca de novas palavras, novas conversas e você, caiu no sono, dorme. A luta com a insônia resulta em conseguirmos fechar os olhos. E você, dorme. Enquanto minhas células seguem seus ciclos, mas na promessa de um novo frenesi, nas horas antes do meu sono noturno; você, dorme.
Contei uma teoria, antes de você dormir, contei sobre a minha lei sobre amar. Você dormiu. Não quis ou aguentou ouvir até o final. Ah, Meu Deus. Teorias que dão sono estão mortas de vida?
Eu sei, eu sei. Palavras não podem ser bambas, muito menos no amor, só nas composições dos grandes mestres sambistas. É, não posso me dar esse luxo, de palavras malemolentes. Tenho que ficar alerta. Viu? Você dorme.
Azar meu. Faço barulhos com as teclas do computador. Como quem não quer saber de nada mesmo.
Dorme aê.
Gostaria de terminar isso aqui, como quem acorda e desperta e acha uma surpresa, um outro desfecho para o destino.
Não durma mais antes de mim, por favor. Tenho pesadelos, acordada, quando durmo sem você.