De: Tamara Brandt Perlman
Para: Gil Martins Perlman
Data: 4 de maio de 2011 12:45
Assunto: Curitiba distante (São Paulo ausente)
Gil,
Faz muito tempo que rascunho este e-mail, mas a correria da mudança não me permitiu pensar muito em outra coisa, senão buscar me adaptar à nova vida. Já morro de saudades de todos. Só tento não pensar nisso agora. Ou seja, estou em fase de adaptação e preciso me policiar para o fato. Caso contrário, sou bem capaz de me enfiar numa nostalgia sem volta.
Por aqui, a cidade não entra pela janela. Faço longas caminhadas pelo bairro, sempre que posso. E assim vou criando novas referências geográficas. Ando desorientada. Porque os dias correm em outra frequência, Curitiba tem toda a parafernália de qualquer vida urbana, mas de forma sutil.
A poluição daí não é a mesma de cá. No sentido do frenesi, da sujeira de formas e direções.
Gil, no fundo, tudo aqui é um desabafo, e a vontade de desapegar do passado. Tentativa de colocar os pés na cidade que adotei para os próximos anos.
Oras, que contradição, você deve ter pensado agora, não é? Não quero nostalgias, mas escrevo para você?
Pois é... Entre caixas e quinquilharias, na arrumação das bagagens, encontrei uma foto antiga nossa. Aquela da festa de quinze anos da minha irmã. Você e toda a sua família tinham acabado de sair de Ourinhos para morar em São Paulo. Seu sotaque era caipira e a minha atenção era sua. Culpo a nossa ligação tão forte, por sermos bisnetos. Tantos adultos ao nosso redor só poderia dar nisso. E foi. A mesma escola, vizinhos separados por duas quadras e tantas tardes no quintal da vovó.
E se tivesse parado por aí, tudo bem. Depois, veio a adolescência, o primeiro beijo, a primeira transa. Daí, não muito mais tarde, a sua partida, o intercâmbio na Inglaterra. E como bons jovens, sem muito entendimento do desenrolar do tempo, achávamos que existiam chances para um reencontro. Eu até quis pagar o preço do improvável, mas você estendeu a viagem de um ano para uma pós-graduação. E nos perdemos.
Bom, não sei mais o que dizer. Acredito que você não esteja entendendo nada. Afinal, se decidi vir pra cá, já com a data do casamento marcada, o que poderia querer agora? Somente compartilhar aquilo que não paro de pensar, desde quando vi nossa foto. Sobram fantasmas. Ando ausente de futuro, porque amarrei melancolia no chão. Preciso aprender a respirar essa nova cidade, uma outra Tamara, só não sei quando isso se dará.
Fico por aqui.
Um abraço carinhoso,
TAM.
Day Rodrigues
25/5/2011