9 de janeiro de 2012

cartas marítimas I

Santos, 23 de janeiro de 2022.

Minha querida Ana,

Escrever cartas tem acompanhado meu sossego.

Aqui na praia a rotina anda em marcha lenta. As pessoas realmente esquecem do cansaço às 19h30, enquanto fazem caminhadas no calçadão ou colocam suas cadeiras de plástico próximo da faixa de areia para jogar conversa fora com algum amigo. São hábitos bastante diferentes dos nossos. Mas não reclamo, não. Isso de poder ter uma rotina mais calma está me fazendo bem. A recuperação da cirurgia das minhas pernas vai bem com isso, com essa lerdeza das horas perto do mar. 

Os médicos estão confiantes que voltarei a andar sem muletas tão logo. Enquanto isso, escrevo cartas e tento dar continuidade ao livro de contos, que havia começado antes de ser operada - tudo da varanda, do vigésimo andar, de frente para a orla da praia. Não sei se mencionei algo sobre este livro para você, minha amiga. Será um livro curto, com treze contos, todos entrelaçados com a mesma temática. Não vou contar o que é exatamente porque quero enviar os originais a você. Gostaria que você e  Sabrina lessem.

Além disso, Pedro e eu temos conversado bastante por telefone. Não tem jeito, com ele preciso do mínimo de contato real, mesmo que seja vê-lo em imaginação ao ouvi-lo. Porque ao falar com ele, acho que me recupero mais rápido, fico empolgada para terminar o livro também. No próximo final de semana, já estará de férias e poderá ficar comigo até o fim da minha estadia em Santos.

Ah, estou louca para conhecer a casa de vocês. Soube que aí tem bastante damasco, não é? Tenho uma receita de torta de damasco deliciosa. Aliás, este é o doce preferido do Pedro. Quero aprontar uma dessas quando for visitá-las.

Bom, fico por aqui, não quero me estender mais. Até porque, se você notar, essa carta está ausente de emoções. E a praia é só a praia. A cirurgia foi bem, obrigada. Pedro e eu estamos ótimos, nunca nos cuidamos tanto. E o livro flui como quem nada em rio raso, sem grandes correntezas. E você sabe, não sou assim. Preciso sempre de um frisson, para ganhar os dias toda corada de vontades novas e sensações pré-fabricadas, antes por uma novidade, depois pela minha capacidade de ser abduzida para um estado de euforia. Enquanto  não me recupero por completo deste deserto emocional, prefiro terminar essa carta aqui. Sei que você entenderá. Mas não deixe de mandar notícias. Segundo os médicos, é muito importante para um enfermo ter os entes queridos bem perto, mesmo só em palavras.

Amo você,

Maria Paula.

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