7 de fevereiro de 2011

intervalo

Já no terceiro dia da sua viagem, descobri que não sabia o tempo de cozimento do feijão. Fiquei perdida com a quantidade de sal do arroz, esqueci de recolher o lixo, antes do caminhão passar às seis.

Tive que estabelecer algumas regras mínimas de sobrevivência. Lista de compras na porta da geladeira. Contas básicas de funcionamento da casa, todas enfileiradas em cima da mesa da sala e assim, não correria o risco de ser visitada pelo técnico da CPFL ou ter o telefone mudo por alguns dias.

E enquanto isso, as roupas começavam a acumular no fundo da área de serviço. Sem nenhuma calcinha limpa, quinze dias depois da sua partida, os meus biquinis passaram a ser roupas íntimas também.

Coitada da minha mãe, nem foi isso que me ensinou, estaria revoltada, se soubesse do meu jeito patético dos últimos dias.

Só que eu não estava muito interessada em saber a opinião alheia.

Só pensava em respeitar aquela falta do seu caminhar entre quartos, e o pouco de mim que reconhecia.

Uma semana correu, e passei dos legumes cozidos para a lasanha congelada, dos sucos de frutas para aqueles de pacote, efervescentes.

Algo me revoltava, essa era a verdade. Estava sem as suas referências, estava sem as suas direções. Pois se, sempre fez questão de tomar as rédeas de tudo, nunca me deixou ligar para comprar a água engarrafada, os seus mandamentos me guiavam e eu sabia disso. E como nunca me importou fazer o contrário, estava bem desta forma.

Sendo que penso, não posso ajudar, não atrapalho e logo não brigávamos, e a paz imperava. Só que eu não sabia que paz demais pode ser vida de menos. "Não há paz evitando a vida, Leonard"!

Então, comecei a viver como achava que poderia. Tranquei a porta do escritório, me desliguei da internet e de todos os seus livros arrumados na estante. Não queria lembrar da minha ignorância e da sua soberania intelectual.

Passei a dormir na sala. Os jornais tonaram-se uma pilha e só. Não os lia.

Meias pelo chão. Sapatos virados e dispensados por toda casa. Nada tinha lugar certo. Porque eu queria destruir a sua organização em mim. Queria dizer pra mim mesma o quanto tenho a minha vida nas minhas mãos. Você me acostumou mal e a culpa era minha.

Três semanas, você ausente e eu buscando me colocar no meu cotidiano. Fui tentando não precisar mais de você, até que chegou o dia da sua volta. Recebi um SMS: "Minha princesa, me espera para o jantar. Já chego, já. Pode deixar, farei uma comida gostosa pra gente".

E arrumei tudo, fiz compras, lavei o banheiro, roupas de cama na máquina de lavar.

Já não era só você lá, eu tinha o meu jeito de morar.

2 comentários:

  1. Caramba, tão real. Soou triste nos tempos que enfrento agora, de despedidas e alguns desencontros. Texto leve, frases precisas. Eu colocaria mais adornos aqui, outras imagens acolá. Mas não seria tão genoíno. Acho que dá pra desenvolver esse lance de vc ter encontrado o seu jeito de morar. Cara, é exatamente isso que eu tenho sentido. Fiquei feliz de ler o texto. Me separei fazem dois meses. Morei junto 8. Esse jeito de morar parece piegas dizer, mas é algo mais de fora pra dentro, do que de dentro pra fora pra mim...

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  2. "paz demais pode ser vida de menos" - PERFEITO!
    Amei o texto Day! Já vivi junto, com família, com colega, com amigos, com amor, sozinha... e hoje já desfeita disso tudo acho que encontrei o meu lugar e o meu jeito de viver. Impressiona como a convivência me faz melhor, me faz buscar mais e me dedicar à busca do que considero perfeito, o ser humano é social por excelência e sem relacionar-se parece se entregar à inércia.

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uma palavra, bamba?