21 de novembro de 2011

somos todos andarilhos

       Ao Flavio,  
que deu luz à minha andança 
  
fez-se direção, da necessidade da pausa

Entre ir e ficar, sempre sigo e não quero voltar para o mesmo lugar. 
E o chão presente torna-se lembrança distante, porque desdobrou-se impulso aos calcanhares dos meus pés, rumo ao horizonte.

Entre ir e ficar, nunca esquecer a ebulição na transformação diária. Seja nos cabelos naturais que se descolorem pouco a pouco, quando termina mais um dia; seja ao vivenciar novas dimensões de um pensamento para alguma descoberta.

Entre ir e ficar, torna-se habitat natural qualquer lugar no mundo.
Mas faz-se necessário este lugar qualquer residir num lar, com paredes e chão sólidos.
Sem isso, aos moradores das ruas ou de suas anti-casas: viadutos, bancos de praça, roubaram-lhes a liberdade de ir e vir, partir ou ficar.

Entre ir e ficar, todos migram, nem todos com as mesmas condições, todos se deslocam, alguns mais, outros por caminhadas rastejantes, mas todos partimos, todos os dias.
E àqueles que acolhem nas mãos unidas em conchas alguma utopia, quando aposentarem os pés, (talvez) identifique nos seus passos rastros de poesia.




Para quê serve a utopia? (Por Eduardo Galeano)

17 de novembro de 2011

pausa da necessidade urgente

Fragmentos de silêncios
ou silêncios entrecortados de palavras soltas 

Quando a gente não sabe o que dizer, é melhor calar-se?

Calada fico, nessa necessidade urgente de viver e desabrigar o meu desassossego.

Ando pouco inspirada, mas longe disso ser ruim.  


Ando presa num destes estados de embriaguez atemporal... sem por quê, quando e como.

"(...) ando pelo mundo divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome 
Nos meninos que têm fome"

Ando refazendo a arquitetura do meus desejos. Acho que por isso, ando mais introspectiva do que nunca.  

Ando sobrevoando por meio de anotações fugazes das histórias que preciso construir.

Ando mudando o meu chão. Tenho refeito os trilhos que preciso seguir, não mais por um caminho de prazeres fugidios. 

Ando todos os dias um longo intervalo, entre um afazer e a constatação de uma nova ideia...

Ando me desarmando para o olhar alheio e aos meus medos...

Ando tão silenciosa, que até as teclas que acompanham as palavras escritas neste texto já me chamam atenção e dão o sinal de que preciso calar, mais uma vez.


(Me dá licença, vou logo ali...)

"Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar...

Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar..."

(Citações: 1 - Esquadros, Adriana Calcanhotto. 2 - Preciso me encontrar, Cartola)

5 de novembro de 2011

necessidade urgente V (ou Paternon)

A bolsa de tricô debruçava-se no seu colo. E a coluna semi-arqueada segurava todos os problemas dos últimos dias. Não parava de lembrar da briga com o Fábio, do anúncio da separação, da multa na carteira de habilitação, da fome, do Fábio.

Sentou nas mesas da calçada, no restaurante Otelo na Avenida Araújo Medeiros, algumas quadras do burburinho do centro.

Desde segunda-feira, nada descia direito. Estava com a boca do estômago sem espaço, com uma abertura menor que a de um funil, nada passava.

Mas não podia esquecer. Precisava buscar os documentos do carro no despachante, para depois decidir como faria com a mudança e o quase fim de namoro.

Duas semanas fora da cidade e na volta, viu sua vida estatelar-se, sucumbir ao desconhecido. Sem lugar para morar, carro guinchado - por causa do imbecil do quase-ex-namorado - e todos os planos se dissolvendo, mesmo já sabendo que ele sempre foi assim - insolúvel? SporTV e UFC. Na maioria da vezes, na maioria do tempo, os programas prediletos dele. E quando estavam juntos era diferente. Mais por obrigação? Ela sabia. Testemunhou a desordem da vida dele, na sua ausência: a bagunça do apartamento, com a dor que era vê-lo jogado como se fosse um  personagem do Bukowski, sem perspectivas, preso às noites etílicas e desgraçadas. 

Então, acomodada na cadeira mais próxima da rua, chamou o garçom e pediu o cardápio. E a bolsa ali, presa entre as pernas, como quem vai sair correndo a qualquer instante. Talvez por perceber um possível incômodo da  cliente, enquanto aguardava escolher, o atendente gentilmente perguntou:
- A senhorita não quer colocar a bolsa na cadeira ao lado?
- Não, não... está tudo bem... obrigada! - respondeu em seguida, com uma voz rouca, ligeira e baixa.

Olhou a lista dos pratos do dia, no cardápio. Pediu o primeiro do lado direito da lista, salada, contra-filé, arroz, feijão e batata frita. Sem muita conversa,  fez seu pedido:
- Pode ser esse moço, esse aqui do lado direito, PF, por favor.
- Ok, senhorita. Mais alguma coisa? Vai beber algo?
- Por enquanto, nada. Obrigada. Estou bem, estou bem. Obrigada.
A voz balbuciava o pedido, desejava logo a ausência do funcionário, queria mesmo era ficar sozinha.

E com a bolsa entre as coxas, balançava os pés, cruzados embaixo da mesa. Sentia pequenas alterações da circulação do sangue, uma espécie de formigamento? Resolveu respirar fundo três vezes, na quarta vez, sentiu o tamanho da fome. Desde segunda-feira, meu Deus, desde segunda-feira, só consigo chorar - entrecortava seus pensamentos - namorar um imbecil por tanto tempo, meu Deus - e seus pensamentos fugiam e voltavam por seus olhos esbugalhados, atrás do óculos escuro, na inconstância do corpo fraco.

Entre uma resmungada e outra, em forma de soluço para si, abaixou a cabeça e enxergou dentro da bolsa o pacote amarelo, que embalava o presente do futuro-ex-namorado. Lá estava o boné com o logo do Tolima. Havia comprado na loja de conveniências do aeroporto. Sabia que ele ia gostar. Apertou a bolsa para não lembrar, para não chorar. E as pernas começaram a formigar de novo. Balançava os pés nos sapatos como quem poderia tomar impulso e desaparecer, ou como se pudesse decolar como um helicóptero ao contrário. Os cotovelos batiam na cintura, de leve, num sinal de que o corpo inteiro expandia-se na cadeira. Era quase meio-dia, o sol a pino, a saliva seca e o coração sintonizado com as batidas dos pés, um no outro, embaixo da mesa, sem ritmo, cada vez mais rápido. Foi tentando respirar, um, inspira, expira, dois, inspira, expira, do mesmo jeito que aprendeu nos exercícios de meditação. Inspirava. Expirava. Vai, Alê. Inspira e expira. Olhou mais uma vez para a bolsa, quase afundando pelo assento, via o pacote amarelo e buscava um jeito de não buscar o nome dele. Mas naquele instante já apareciam todas as letras F Á B I O. Puxou mais ar e como quem prevê o horizonte, enxergou o prédio Paternon, o mais novo empreendimento imobiliário da região, no final da Avenida Araújo Medeiros. Duas quadras do quase-ex-apartamento deles. Lá estava, Paternon e a presença do Fábio aos arredores. Foi subindo os olhos, a cabeça, o pescoço e enxergou a bandeira do Brasil, que flamejava e deslizava no ar, do 35° andar. 

Será que já estava acordado?  

Olhava para o topo do Paternon, e a bandeira abarcava o sol quente e o vento. Na mesma agitação sua, enxergava o Paternon craquelar-se, num piscar de olhos, a bandeira não flamejava mais, empalidecera. Já era meio-dia? Parecia haver uma escuridão ali. Vai chover? - achava que sim. E foi trazendo os olhos de volta para o meio das pernas, para a bolsa entreaberta - com o pacote amarelo. Sentiu um aperto daqueles igual saudade, igual a tristeza das ausências, das rupturas, das separações. Inspira e expira. Inspira. Expira. Desconexa de qualquer sensação de realidade, esmagou a bolsa no colo, e trouxe o rosto para frente, já sendo observada pelo garçom com a bandeja em sua direção:
- Moça, seu almoço está aqui. A senhorita quer mais alguma coisa?
- Não, obrigada.
Falou num tom só. E continuou, sem qualquer simpatia:
- Por favor, quanto é esse prato? Não vou comer, não. Toma aqui, pega o troco pra você. Tenho que encontrar o Fábio. Obrigada. Mas preciso ver o Fábio agora mesmo.
Disse tudo de uma vez, vomitando angústias e renúncias, medos e irrealidades.

Saiu da mesa com a bolsa aberta, e o garçom perplexo, estático com os pratos nas mãos.

Em passos largos, desdobrava-se para enfrentar aquela longa avenida em direção ao Paternon. Pernas trêmulas, precisava encontrá-lo, de qualquer maneira.

(continua, 'necessidade urgente' minha de narrar uma vida, uma história...)


Este texto nasce paralelo ao conto do Wilson Franco: "Do Majestic ao Paternon", de onde nasceu a Alê:
http://errancias.wordpress.com/2011/11/04/do-majestic-ao-partenon/


4 de novembro de 2011

necessidade urgente IV

Alê, seu atual estado civil é quase-solteira. Você acabou de sair da casa do seu namorado, talvez para não voltar mais. Não aguenta mais conviver na bagunça daquele apartamento, das roupas espalhadas pelo banheiro, panelas sujas de feijão, junto com o pirex de macarrão de domingo na pia; e mais, todos os copos e canecas espalhados pela casa inteira. E tudo isso porque você esteve fora da cidade, por duas semanas, o suficiente para seu quase-ex-namorado desajeitar qualquer chance de convívio entre vocês. Porque quando estão juntos, suas regras são seguidas, e você fica lá, ou ficava, sem agressões verbais, por gostar muito dele, você explicava a ordem das coisas, numa espécie de mãe-namorada ou namorada-mãe. Uma série de negativas, Alê. E você resolveu ir embora. Ele não saberá ficar sem você, ele sabe disso. Por um tempo, algumas longas semanas, tudo vai desabar. Porque é isso, você vira as costas e ele desaba. 51 Mix, SporTV, UFC. UFC, SporTV, 51 Mix. Estes serão seus novos companheiros. Cuecas usadas embaixo da cama, meias que fedem igual panos de chão encardidos, resto de creme dental pregado pela torneira, o desastre masculino de um quase-solteiro. 51 Mix, SporTV, UFC. UFC, SporTV, 51 Mix. Até quando, Alê? E você aí, ainda pensando se fez a coisa certa, não é? Todo cotidiano dele preso em vacilos. Quando cairá em si - você e ele - ?

(continua, 'necessidade urgente' minha de narrar uma vida, uma história...)

Alê é uma personagem que já tinha nome, mas não tinha passado nem futuro. 
Porém, por coincidência, depois de ler um texto do Wilson Franco, com um personagem de mesmo nome, Alê surgiu.
Mas sabe o que é mais interessante?
A Alê do Will está num conto dele inspirado num outro texto meu (Abrir-se-vos-á).
Aqui ó, "Do Majestic ao Paternon", de onde nasceu a Alê:
http://errancias.wordpress.com/2011/11/04/do-majestic-ao-partenon/

Uma verdadeira ciranda literária!


2 de novembro de 2011

necessidade urgente III

e vou formulando os seus sentidos como quem decifra o segredo de se libertar
Alê Mathias, nem sei bem qual é o seu sexo.
com este nome você poderia ser hetero, travesti, gay, qualquer orientação sexual caberia. será?
então, vou deslizando por palavras na tentativa de me aproximar da sua existência e me sinto como quem transa pela primeira vez. é isso. você é meu personagem e eu tenho todo o seu corpo nas minhas mãos. 
só preciso aprender a despir você.
saber o seu tempo, entre colocar os pés para fora da cama até entrar debaixo do chuveiro para o primeiro banho do dia.
como você faz para cortar os pães, começa de uma ponta para outra, ou somente pelo meio? você come frutas? 

(continua, 'necessidade urgente' minha de narrar uma vida, uma história...)