18 de maio de 2012

das ausências

A voz doce não cansa de acenar encanto

Desci correndo pelas escadas. Todos ficaram no andar de cima, acharam que eu retornaria a qualquer momento, mas não olhei pelas costas. Tanto que já não senti mais aquela dor insuportável quando pendia para o norte. Desci degraus pares, para conseguir substituir o olhar pendular de Dona Cristina, lá da cozinha, pela minha certeza ao atravessar o quintal. No chão de barro já havia algumas amoras prontas para serem colhidas, mais adiante o pé de abacate estava coberto dos seus frutos verde-bandeira, amadurecidos também. E lá no fundo da garagem, ouvia Lucas pular do skate, desavisado, caía desajeitado sem saber manobrar seu novo brinquedo. Olhei para a fachada da casa, soltei os meu sapatos perto do portão menor, aquele por onde mamãe recebia as visitas, fui mais adiante. Sorria e corria em passos largos, firmes, clássicos. E logo fui tomada por uma dança, um solo, compassada em notas de um choro. As vizinhas começaram a olhar pela janela, curiosas, interessadas. Não entendiam de onde vinha aquela canção. O meu vestido branco-copo-de-leite, ora flor, ora líquido brando despia-me nas sutilezas de quem se veste para seu orixá às sextas-feira. Segui os espaços menos esburacados da avenida principal. Lá estava. Avoada. Um pouco cansada. Passei pela casa do Jorge. Mais adiante vi Samuel e Lia. Eles não me viram. Adentrei a vila dos pescadores. Caminhei mais cinco minutos. Cheguei no mar e finquei os meus pés já presos na areia, esgotando-me.

A tarde já arriava suas inseguranças de não anoitecer.

Carreguei-me até não conseguir vencer qualquer presságio - eu, marítima - junto ao desejo de meditar o fim de não-estar, de não-ser outrora.

5 comentários:

  1. Sensacional, Day! Finalmente achei um preferido no seu blog...

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  2. Uhm, um dos meus preferidos também Day. É linda a imagem da moça, da ausência e maravilhosamente leve. E vc sabe que gosto dos contos pequenos, ainda mais quando confundem vozes subjetivas tipicas da poesia com a descrição dos personagens. Eu acho que você descreve bem o seu cotidiano e tem um puta olhar poético, acho que falta voar para fora dele, inventar mais, seu estilo é esse, e faz isso bem, não perde a mão. Mas o realismo as vezes reforça só a superfície aparente da sociedade, muitas vezes uma superfície alienante. Não acho que precise ser mais fantástica, ou mais metafórica, pode ficar na descrições das imagens que sustentam a trama, mas penso que tal trama, pode ir além do que vc vive e sim do que vc sonha em viver.

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  3. agora que vi que foi algo que vc escreveu em maio... é tão você hj! vai pro mar, linda!

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uma palavra, bamba?