17 de setembro de 2011

decupagem

No primeiro semestre deste ano, fiz uma oficina literária, ministrada pelo escritor Marcelino Freire
Foi um momento bastante especial, descobri o quanto escrever é importante para mim. Ganhei coragem para encarar a escrita e seus meandros. E de lá pra cá, ando pegando o boi pelo chifre. Escrevo e leio mais e mais, para um dia dar um rumo, um norte para o meu interesse pela Literatura. 
E no curso escrevi um texto chamado Decupagem, que tinha o tema: uma grande saudade. Daí, tal texto teve uma boa repercussão, do Marcelino e das pessoas que ouviram a minha leitura. 
Assim, ganhou um sentido tão interessante, que tive a ideia de transformá-lo num curta-metragem.
E esses dias, o destino colocou uma garota bastante sensível para essas coisas, de vida, amor e existência, no meu caminho. A Noelle é diretora do curta A janela poética, que acabou de participar do Curta Santos - Festival de curta-metragem de Santos.
Apresentei o texto e pedi para ver se via ali um filme.
Dito e feito, comprou a ideia. Em breve, acho que Decupagem vai ganhar vida cinematográfica.
Então, para os meus amigos leitores acompanharem, deixo-o aqui.
Mas além disso, publico também (logo abaixo) uma leitura dela, linda por sinal, para o futuro filme - tomara!

Decupagem


0:02/ 2:46

Meus cabelos ganham movimentos como marolas.

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É o começo do vídeo, Márcio e eu, indo até a Biquinha. Estamos no ônibus 08: Ponta da Praia/ São Vicente – orla da praia.

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Domingo de outono. Poderia ser mais um domingo. Ou um outono daqueles quando todos estão em queda simples, para tempos reclusos.

0:10/ 2:46

Márcio maneja a câmera e brinca com as ondas que terminam na direção do meu cachecol. O trajeto era o mesmo de todos os dias, mas estávamos desfigurados em quadros sem galeria.

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Eu ia sentada do lado da janela.

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Ali, naquela cena, lembrava me sentir como o desconhecido de um livro novo.

0:25/ 2:46

Todos os detalhes são capturados. Desde o mar pela janela até o zumbido do vento que corta sem direção as covinhas do meu sorriso.

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Juntos há três meses, o programa daquele dia foi um fim de tarde para onde ele se referia como o melhor lugar da cidade. Nada mais clichê para o romantismo, íamos ver o pôr-do-sol.

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Guardava uma ansiedade controlada. Desconfiava se era capaz de medir a verdade sobre nós.

1:15/ 2:46

Meu rosto segue paralelo à linha da orla da praia. As lentes seguem aquilo que não enxergo ao longe.

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Estamos sentados na fileira do lado esquerdo, nos bancos mais altos. Aqueles disputados por crianças, que sabem ver dali idas e vindas de carros e transeuntes.

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Sem volta, a cumplicidade demarcava um lugar para nós dois, dois em um.

1:58/ 2:46

Olho para você. De novo, meus cabelos em descompasso se desalinham com o branco e azul do mar ao norte. Márcio filma quase tudo.

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A praia está vazia. E as pessoas circulam pelo calçadão. Guarda-se a calma da estação dos poetas que decidem adiar o suicídio. É impossível desejar morrer no outono.
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Não sabia mais zelar meus gestos, todos eram para mantê-lo perto de mim. Sentia cada batida do meu coração como a cuíca de uma roda de samba. Minha devoção pelo nosso namoro era a mentira de quem não sabia nada sobre amar.

2:22/ 2:46

Volto os meus olhos para a janela, na direção do nosso destino. Márcio flagra um silêncio passivo.

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O mundo torna-se plateia e cenário, meros figurantes.

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Estava rendida. Já não havia possibilidades para não amá-lo.

2:46/ 2:46

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Saudade do amor involuntário.

Day  Rodrigues
maio/ 2011


"saudade do amor involuntário"

a disposição é uma coisa que acontece delicada. quase me pega pelo colo, no balanço deste barco no asfalto, no dispensar de toda preocupação. tenho márcio em meus olhos, mesmo que ele tenha posto o rosto a me olhar e só. engraçadas são as coisas de agora. a tudo que é eternizado, é engraçado, parece lhe cair sobre certa seriedade. "saudade do amor involuntário", foi assim que decidi chamá-lo. agora, sentada,  já não posso decidir quase nada. pois que márcio me torna paisagem, sorriso, completude.  


há pouco pensei em dizer para que descêssemos daqui, que pulássemos pela janela, que rolássemos pela areia. precisava tocar-lhe, sentir dele o cheiro real de sua presença. ao mesmo tempo, sua observação caía doce sobre mim, como parte de tudo, como anjo sem asas, me fazendo sentar outra vez. eram essas as duas naturezas. márcio, você me vê. eu era vista. eu era sua imagem de hoje. e hoje, para mim, tem o seu balançar de braços a me seguir.


acontece que agora, quando assisto a mim, minha falta se sincronicidade me irrita. mas eu sei que ele conseguiu capturar minha forma mais pura, mais simples de mim, minha agitação, talvez. minha urgência de viver.

Noelle Falchi

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