São Paulo, 23 de fevereiro de 2022.
Ana,
precisei dessas semanas de ausência, desses dias perto do Pedro, longe de todas as parafernálias que nos convocam e assombram o tempo inteiro em São Paulo - por isso, a demora para responder suas cartas. Envio os originais do meu futuro livro: Náufragos e líricos - sim, foi assim que resolvi chamá-lo. É um livro de contos. E todas as histórias e personagens estão mergulhadas na ida sem volta, no quase, no limiar, e depois apogeu da entrega, e da luta para não sucumbirem à morte anunciada, quando descobrem a inutilidade de tudo isso, mesmo não sabendo/ podendo fazer diferente. São personagens apaixonantes, mas muito ingênuas. Tive dó, muita vezes, de alguns deles.
Não gostei muito das suas últimas cartas. Na verdade, fiquei bastante preocupada com você. Pois não consegui entender tanta fúria. Ou melhor, eu entendo sim, mas dói ver alguém rasgar os pulsos e cartografar em sua própria pele tamanho desespero. Afinal, mesmo quando sabemos de tudo isso (amores naufragados), ainda é necessário escolher uma esperança - uma possibilidade de rearranjar a dor num outro prumo, naquele que não ameace tamanho desgosto. Você é uma poetisa, minha amiga, e tem a promessa de re-significar os olhares. Quando leio e releio seus livros, lembro o quanto sou feliz pela nossa amizade, o quanto sou grata por tudo que já dividimos até aqui. Então não posso permitir essa sua briga com a idade, com o corpo. Perde-se a rigidez dos músculos, e ganha-se disposições para melhor contemplar as horas.
Pedro e eu queremos você muito bem. Venha para o Brasil nos visitar, que tal?
Minha querida, dediquei o livro ao Pedro e a você. Estou ansiosa pela sua leitura, penso que vai ter algumas surpresas. Depois da cirurgia, fiquei bastante sensível à impossibilidade de caminhar. Porque andar sempre foi uma necessidade minha de ir e vir, de partir e voltar quando eu quisesse. E nestes meses que precisei resguardar os pés e conter-me com o cotidiano às janelas do apartamento na praia, me senti limitada sem a presença da cidade e seu arcabouço de gente e concreto. A varanda de Santos emoldurava o sossego que não vemos em outras geografias, seja as praianas ou mais bucólicas. Mas também engessa os sentimentos e a vontade de desejar outros mares e horizontes, tamanha tranquilidade.
E aí nasceu Náufragos e líricos e assim me vi disposta a pensar num outro livro, um romance. Quero escrever a história de um casal separado pela tragédia de uma menina suicida; eles não veem a morte da garota, mas vivenciam seus próprios dramas ao estarem, em momentos diferentes no local do acidente. Vamos ver o que consigo, os meus dedos estão frenéticos por estes tempos. Devo escrevê-lo em breve.
E aí nasceu Náufragos e líricos e assim me vi disposta a pensar num outro livro, um romance. Quero escrever a história de um casal separado pela tragédia de uma menina suicida; eles não veem a morte da garota, mas vivenciam seus próprios dramas ao estarem, em momentos diferentes no local do acidente. Vamos ver o que consigo, os meus dedos estão frenéticos por estes tempos. Devo escrevê-lo em breve.
Vou aguardar sua resposta. Olha, tudo o que eu realmente gostaria de dizer para você, neste seu momento de angústias e renúncias está nestas narrativas do livro de pessoas tão femininas e estremecidas pela perda e resignação constante.
Saudades.
Um beijo e abraço,
Maria Paula
---------
Maria Paula corresponde-se com Ana, personagem de A janela poética, da autora Noelle Falchi em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
uma palavra, bamba?